Historiadores estão traduzindo um dos poucos textos autobiográficos escritos por um ex-escravo que viveu no Brasil. Mahommah Gardo Baquaqua nasceu no norte da África no início do século XIX e trabalhou no país. No ano de 1847, em Nova Iorque, conseguiu fugir e se livrar da escravidão. Em 1854, quando os EUA viviam o auge do debate abolicionista, ele lançou em Detroit o livro autobiográfico An interesting narrative: Biography of Mahommah Gardo Baquaqua ("Uma interessante narrativa: biografia de Mahommah Gardo Baquaqua", em tradução livre).
A obra traz relatos de suas vivências no Brasil e impressiona pela riqueza inédita de detalhes, o que não se verifica nos outros poucos relatos conhecidos de escravos que trabalharam nas terras tupiniquins. Baquaqua era até recentemente desconhecido do público brasileiro. Agora os historiadores Bruno Véras e Nielson Bezerra, com o apoio do Ministério da Cultura e do Consulado do Canadá, estão trabalhando em uma versão em português da autobiografia, que deve ser concluída ao final de 2015. Antes, a única tradução para nossa língua havia sido produzida por Robert Krueger, pesquisador dos EUA, mas sua versão possui muitas imprecisões nas notas e até no título.
O conteúdo do livro joga por terra a velha ideia de escravos submissos, que só apanhavam e trabalhavam. Baquaqua se mostra inteligente e empreendedor, e alcança a liberdade pelo seu próprio esforço. O valor dele para a historiografia brasileira é incalculável, já que não há no país um acervo de escritos autobiográficos deixados pelos escravos. Nos EUA e na Inglaterra, existem vários desses textos, que tinham uma função abolicionista.
Trajetória
A trajetória de Baquaqua começa nos anos 1820, em Dijougou, onde hoje é o norte do Benim. Ele era filho de um proeminente comerciante e estudou em uma escola islâmica, adquirindo conhecimentos de leitura e de matemática. Atuando no comércio de grãos e outras especiarias em uma área de conflito, acabou preso e feito escravo pelo Império Aashanti, que disputava com o Califado de Socoto o poder político e econômico, inclusive para traficar escravos com os europeus. Chegou a ser comprado e libertado pelo irmão, mas foi novamente preso e levado como escravo para a cidade litorânea de Uidá, de onde partiu para o Novo Mundo. Ela relata os horrores da viagem até desembarcar em Pernambuco em 1845.
Trabalhando como padeiro numa lavoura em Olinda logo passou a conviver com os maus tratos e entregou-se às bebidas, sendo revendido para um comerciante do Rio de Janeiro. Com seus conhecimentos matemáticos, trabalhou em um navio voltado para o comércio de charque entre a capital e o Rio Grande do Sul. Ao levar uma encomenda de café para Nova Iorque conseguiu escapar e depois fugiu para o Haiti com a ajuda de abolicionistas. Daí se engajou junto a eles e anos mais tarde publicava seu livro em Detroit com intuito de arrecadar fundos para a causa.
Produção: Léo Rodrigues
Reportagem: Bruno Cruz
Notícia veiculada pela TV Brasil / Repórter Brasil
23/12/2014