Publicado por: Comunicação Comunitária, em: 2009-03-07 22:12:57
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por Juliana Mendes
Resenha originalmente escrita para a disciplina Ética na Comunicação
O livro Os Elementos do Jornalismo é o resultado das discussões levantadas pelo Comitê dos Jornalistas Preocupados. Como também de posteriores pesquisas em parceria com professores universitários, grandes discussões públicas, e outros estudos que igualmente possuíam por enfoque a crítica da prática atual do jornalismo e possíveis soluções. Os escritores, Bill Kovach e Tom Rosenstiel, participaram do Comitê dos Jornalistas Preocupados porque, como os demais colegas, estavam preocupados com os rumos do jornalismo – inserido em uma lógica puramente comercial – e com a incredulidade por parte dos leitores.
A conclusão apresentada no livro como resultado dos debates e exames é a relação de princípios básicos do jornalismo. Esses elementos não compõem uma lei rígida, mas eqüivale ao que a maioria dos jornalistas e cidadãos esperam do jornalismo. Os elementos do jornalismo são:
“1. A primeira obrigação do jornalismo é com a verdade.
2. Sua primeira lealdade é com os cidadãos.
3. Sua essência é a disciplina da verificação.
4. Seus praticantes devem manter independência daqueles a quem cobrem.
5. O jornalismo deve ser um monitor independente do poder.
6. O jornalismo deve abrir espaço para a crítica e o compromisso público.
7. O jornalismo deve empenhar-se para apresentar o que é significativo de forma interessante e relevante.
8. O jornalismo deve apresentar as notícias de forma compreensível e proporcional.
9. Os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com sua consciência.”
(KOVACH e ROSENSTIEL, 2003, p. 22-23)
Quando os autores discorrem sobre a obrigação incondicional do jornalismo com a verdade, analisam a função do mesmo. Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, todos podem relatar fatos e emitir opiniões na Internet. No entanto, o que diferencia esses escritos do jornalismo, é que o último permite gerar coesão na comunidade por meio da construção de sentidos e de uma linguagem comum. Portanto, a importância do jornalismo se encontra no seu efeito no cotidiano dos cidadãos.
No âmbito da produção de significado e conhecimento comum pelo jornalismo, os autores destacam o Instinto de Percepção. Esse é a necessidade inerente ao ser humano de conhecer, obter informação do que está ao seu redor. Esses dados proporcionam segurança às pessoas, que podem ordenar o mundo e planejar o futuro.
Ainda, é explicitada a relação entre jornalismo e democracia. Em sociedades democráticas o jornalismo surge e se desenvolve, enquanto em sociedades autoritárias, a comunicação pode mesmo desaparecer. Portanto, o jornalismo deve se basear na verdade para que os cidadão possam se informar e se autogovernar, permitindo a consolidação da democracia. A verdade do jornalismo é garantida pela liberdade de imprensa, como pela diversidade de informações e de informantes – que estimula o debate público. Nesse contexto, o jornalista não deve selecionar que informações acredita que as pessoas precisam, mas exercer o papel de moderador do debate público. Dessa maneira, é importante que verifique os fatos e ordene a informação.
Contudo, atualmente, o público se encontra distanciado das notícias, pois elas não refletem sua realidade. Segundo a Teoria da Participação Pública, cada tema corresponde a um público envolvido, um público interessado e um público desinteressado. O jornalismo deve reconhecer essa pluralidade e complexidade de seu público, não se limitando a informar a uma elite especializada.
O cenário, em que o jornalista não reconhece a complexidade de seu público, foi construído pela crescente relação entre jornalismo e mercado. Isto é, o jornalista se esquece de seu dever para com a cidadania. Ainda, a Internet e a globalização acentuam esse distanciamento, não há mais uma ligação rígida entre produção de informação e região.
A verdade referida pelos autores é uma verdade jornalística, que não se baseia no absoluto. É uma verdade prática, construída no cotidiano e que permite o entendimento do mundo por parte dos leitores. A verdade é construída por meio da comunicação com os cidadãos, que reagem à matéria e proporcionam seqüências da notícia e maior análise da mesma pelos jornalistas.
A veracidade é atingida quando métodos são desenvolvidos para checar a exatidão dos fatos relatados – o que não exclui a interpretação jornalística. Alguns conceitos são apontados pelos autores como tentativas fracassadas de substituir a veracidade, como a imparcialidade e o equilíbrio. Ambos são conceitos muito abstratos e subjetivos, que não podem ser testados. Ainda, quando se escreve uma matéria que mostra os dois lados da notícia com o mesmo espaço e importância, ainda que essa proporcionalidade não corresponda ao real, se distorce a realidade.
Prosseguindo a obra Os Elementos do Jornalismo, a lealdade do jornalismo para com os cidadão é analisada. Atualmente, o grande empecilho para a concretização desse princípio é a crescente presença dos ideais comerciais na jornalismo.
As empresas de jornais se tornaram corporações que possuem interesses diversificados, muitas vezes influindo na independência jornalísticas. Os jornalistas se sentem incentivados a escrever matérias que vendam – rendendo bônus –, e tolhidos em produzir notícias que possam afetar os interesse econômicos das empresas jornalísticas. Atualmente, os interesses dos anunciantes e o espaço publicitário podem se tornar mais importantes que a matéria.
Entretanto, o que os donos de empresas jornalísticas precisam entender é que seu produto mais importante é a credibilidade - é o que faz com que seus leitores comprem o jornal. A credibilidade somente é alcançada quando o jornalista e a empresa para qual trabalha possuem um compromisso indissolúvel com a verdade. Todos na empresa jornalística devem respeitar e trabalhar para manter a lealdade para com o cidadão, somente assim é possível o debate dentro do jornal, respeitando as funções de todos os integrantes da empresa.
O terceiro elemento do jornalismo é a necessidade de constante verificação. De acordo com os autores, é a verificação que separa o jornalismo de outras formas de comunicação. É nesse conceito que se encontra a objetividade. A objetividade não significa que os jornalistas podem se despojar de todos seus preconceitos para escrever um relato insento de qualquer ideologia. Ao contrário, a objetividade é a construção de um método que proporcione a verificação da notícia e a transparência do relato, permitindo maior exatidão das matérias.
Todavia, o que ocorre em nossa sociedade é um embate entre o Jornalismo de Verificação e o Jornalismo de Afirmação. A Internet permite que a informação seja difundida rapidamente e reaproveitada por outros jornalistas, sem a verificação consistente dos fatos. Ou seja, há a ausência da investigação.
Portanto, os autores oferecem algumas sugestões de atitudes que conduzem ao Jornalismo de Verificação:
“1. Nunca acrescente nada que não exista.
2. Nunca engane o público.
3. Seja o mais transparente possível sobre seus métodos e motivos.
4. Confie só no seu próprio trabalho de reportagem.
5. Seja humilde”
(KOVACH e ROSENSTIEL, 2003, p. 123)
Desenvolvendo a crítica ao jornalismo atual e apresentando soluções, os autores discorrem sobre a importância da independência dos jornalistas em relação a quem cobrem. Isto é, os jornalistas precisam manter certa distancia dos fatos que apuram.
Esse princípio não defende simplesmente a neutralidade. O jornalista pode defender um determinado ponto de vista, desde que exponha essa situação ao leitor. É preciso que haja transparência, assim, o cidadão que lê o jornal sabe dos preconceitos e da posição ideológica do jornalista.
A independência não se restringe ao âmbito partidário, significa também independência de classe, de raça, etnia, religião e sexo. O jornalismo não deve se pautar somente em relação aos anseios da elite, pois, excluindo a classe de trabalhadores, distorce a realidade e esquece seu dever para com todos os cidadãos. Essa independência pode ser atingida com a presença da diversidade na redação. Diferentes experiências e vivências permitem que os jornalistas estejam atentos para vários temas que podem se tornar notícias. Contudo, mais importante do que essa diversidade de raça, etnia, religião e sexo, é a diversidade intelectual – que permite o debate e o amadurecimento da redação.
Segundo os autores, a independência é importante para que os jornalistas sejam monitores do poder. No entanto, ser guardião do poder não é somente causar alarde sem conteúdo. O jornalismo investigativo está enfraquecido porque não se preocupa mais com as grandes questões públicas, mas busca a qualquer preço a audiência. Isto é, as matérias enfocam as questões econômicas e de segurança no âmbito individual, em detrimento das ações do governo e dos possíveis abusos da elite.
Outro elemento do jornalismo é a promoção de fórum público. Ou seja, o jornalismo se faz com a comunicação com os leitores. A partir das notícias, os cidadãos reagem e expressam suas opiniões, que, escutadas, permitem a busca de soluções. O debate público deve caminhar para conciliação, não se reduzindo a um simples “bate-boca” sem fundamento. O papel do jornalista, então, é o de verificação dos fatos discutidos, e a colaboração para a busca das soluções.
Entretanto, os autores apontam algumas características da comunicação atual que impedem o desenvolvimento desse debate público. A criação de “especialistas” na mídia, que distancia o cidadão do debate, criando uma discussão artificial. O enfoque em casos sensacionalistas e de simples entendimento, ofuscando os temas de grande interesse público. A polarização das discussões, que ignora a complexidade das opiniões existentes.
O sétimo elemento do jornalismo se refere à necessidade de apresentar a notícia de maneira interessante e relevante. A notícia deve ser dialética: importante e divertida. Alguns elementos da narrativa podem ser usados para atrair o leitor. Somente algumas ressalvas devem ser feitas em relação ao uso da ficção: é preciso sempre lembrar do compromisso com a verdade e a necessidade de transparência.
Prosseguindo, é importante que as notícias sejam proporcionais e compreensíveis. A proporcionalidade se fundamenta na já analisada necessidade de independência, como também no intuito de não distorcer a realidade fazendo com que uma matéria aparente afetar um número maior de pessoas do que faz ou defender uma visão minoritária como se fosse majoritária. Os autores também ressaltam a importância de ouvir os cidadãos para poderem analisar e julgar que notícias são de seu interesse.
Por fim, o último elemento do jornalismo é a responsabilidade que os jornalistas possuem em ser conscientes. Para isso, eles precisam ser livres e a redação ser um espaço de debate, em que todos possam falar, sem censuras por parte dos chefes.
O livro Os Elementos do Jornalismo é escrito de uma maneira clara, sendo de fácil leitura. A intenção dos autores é realmente transmitir conceitos, fugindo de formalismos. È atraente devido ao uso que faz de exemplos e histórias que ilustram seus argumentos. Seu estilo segue mesmo o elemento do jornalismo que defende a transformação do fato em um acontecimento interessante e também relevante. Vale também destacar o caráter didático do livro. Dividido em capítulos concisos e tópicos, proporciona maior apreensão dos temas. Afinal, cada assunto é analisado separadamente, ainda que se correlacionem graças à coesão interna da obra.
As proposições, apresentadas na obra, desmistificam vários conceitos e revelam preconceitos, permitindo a análise da situação atual do jornalismo. Essa visão crítica e a desmistificação proporciona o repensar de idéias solidificadas no senso comum, como o conceito de imparcialidade, neutralidade e equilíbrio.
O presente livro é interessante e ideal para os jornalistas repensarem sua profissão, sua responsabilidade para com os cidadãos e a importância do papel que exercem na sociedade. Porém, a importância da obra não se limita aos profissionais da área. Pois, a obra indica os anseios do cidadão e sua obrigação, como sujeito, de exigir jornais que fomentem a democracia e se fundamentem na verdade.
Contudo, apesar das inovações apresentadas no livro, certos preconceitos se mantém. Os autores desprestigiam outras funções da comunicação, como o marketing, acreditando ser apenas manipulação. Assim, ignoram o progresso das teorias da comunicação, que não mais consideram os receptores como facilmente suscetíveis de manipulação, pois não são simplesmente passivos diante das mensagens. Parece que os autores se limitaram à teoria hipodérmica, que aponta a comunicação de massa como um instrumento poderosíssimo, cujos encantos ninguém consegue resistir.
No entanto, os receptores possuem mecanismos sociais e psicológicos que distorcem, ou mesmo bloqueiam as mensagens dos meios de comunicação. Ainda, a publicidade e o marketing têm sua importância para a comunidade na medida que proporcionam a satisfação de algumas necessidades cognitivas. Afinal, se determinado produto promete uma sensação ou característica abstrata agregada ao seu uso, e o consumidor se utiliza do mesmo e se sente dessa maneira, o produto cumpriu uma função cognitiva.
Também, o jornalista ainda é apresentado no livro como um cidadão privilegiado, que possui o privilégio de agir como mediador dos debates públicos. Os autores chegam a citar uma das soluções possíveis, e muito interessante, para a situação que se encontra o jornalismo atual: a comunicação comunitária. Entretanto, não se prolongam nesse tema.
A comunicação comunitária, antes de mais nada, é o oposto dos meios de comunicação de massa regidos pela lógica do mercado, pois não se submete aos interesses econômicos de uma empresa comercial. Um meio de comunicação comunitário pertence a todos, não há donos ditando os rumos das matérias.
Definitivamente, a comunicação comunitária promove um debate público, pois todos participam da construção de suas notícias, possuindo total liberdade de expressão, desde que responsáveis. Os cidadãos podem livremente levantar os assuntos de relevância para sua comunidade – temas próximos do cotidiano. Ainda, sem mediadores, podem representar a si mesmo, refletindo a diversidade da sociedade, construindo sentidos e significados que realmente se referem à realidade vivida por sua comunidade.
Bibliografia:
KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. (2003) Os Elementos do Jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público exigir. Geração Editorial: São Paulo
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