Publicado por: Comunicação Comunitária, em: 2009-03-07 21:55:13
Visitas: 17536
Downloads: 0
por Juliana Mendes
Análise originalmente escrita para a disciplina Estética e Comunicação
Link para a imagem da "Guernica" de Picasso: http://arts.anu.edu.au/polsci/courses/pols1005/2007/Images/Picasso.Guernica2.jpg
Link para a imagem de “Os Fuzilamento de 3 de Maio” de Goya: http://farm4.static.flickr.com/3167/3040238203_4cd2d30d24.jpg
Apresentação
A presente análise discorre sobre os conceitos de belo e feio em obras de arte e ressalta sua relação com a Comunicação. Dois quadros foram escolhidos para realizar essa tarefa: “Guernica” (1937) de Pablo Picasso e “Os Fuzilamentos de 3 de Maio” (1814-15) de Francisco José Goya y Lucientes. A princípio, as obras podem parecer muito distintas, já que pertencem a momentos históricos e movimentos artísticos diferentes. Enquanto a “Guernica” se insere no cubismo, que tem por característica a decomposição das figuras em formas geométricas e a apresentação da totalidade na tela plana; “Os Fuzilamentos de 3 de Maio” está no contexto do romantismo, que valoriza as emoções e os sentimentos, porém conseguidos através de uma perspectiva que retrata a realidade de forma mais fiel que o cubismo. Apesar dessa primeira diferença, as obras guardam semelhança entre si. Para além de ambos os autores das obras serem artistas espanhóis, os quadros dialogam entre si por sua função social. Isto é, representam um período trágico da história humana e pretendem expressar o horror desse momento específico, para que nunca se repita.
Guernica
O mural “Guernica” foi realizado em 5 meses por Pablo Picasso a pedido do Governo da Frente Popular da Espanha. A solicitação do governo ao pintor (que, então residia em Paris), era para que pintasse algumas telas com o objetivo de arrecadar fundos para a República. Pablo Picasso decidiu, então, retratar o terror dos bombardeios à cidade de Guernica na Espanha, acontecimento que havia despertado a opinião pública mundial de forma negativa.
O general Franco sublevou o exército espanhol contra o Governo da Frente Popular, iniciando a Guerra Civil Espanhola. Hitler decidiu apoiar o general, afinal, o “perigo” de um regime comunista na Espanha poderia estimular o mesmo na França, e consequentemente causaria um desequilíbrio nas forças que disputavam na Europa. Assim, Hitler fornece aviões e armas a Franco. A Legião Condor, aviação alemã, conquistou, na Guerra Civil Espanhola, Bilbao, Santander e Gijón.
Essa guerra somente chegaria ao fim em 28 de março de 1939, quando as tropas de Franco conquistariam e entrariam vitoriosas em Madri. Contudo, antes dessa conquista, para abalar as forças do Governo da Frente Popular e com objetivos ditos científicos de experimentar os efeitos de bombardeio concentrado (utilizando bombas incendiárias e de fragmentação), Franco e a Legião Condor escolhem um alvo para a experiência: a pequena cidade de Guernica. Essa escolha se deve ao fato de que a cidade possuía poucos habitantes (cerca de 7 mil), não havia proteção antiaérea e abrigava o carvalho sob o qual monarcas espanhóis juravam, desde a Idade Média, a respeitar as leis e costumes dos Bascos. Portanto, bombardear a cidade era atacar os que acreditavam em uma Espanha descentralizada e federalista.
Dessa forma, em 26 de abril de 1937, Guernica é bombardeada pela aviação alemã durante a movimentação em sua praça, decorrente da comercialização semanal dos produtos dos camponeses. O bombardeio resultou em 40% dos habitantes de Guernica mortos ou feridos.
Em 4 de junho de 1937, “Guernica”, a obra de Pablo Picasso, é apresentada na Exposição Internacional sobre a Vida Moderna em Paris. O mural, sombrio, foi pintado com as cores preta, branca e cinza. O quadro mostra figuras de homens, mulheres e animais mutilados. A simbologia presente nos detalhes do quadro pode ser interpretada como Jesus, a Pietá, o olho de Deus, a tecnologia destruidora. Dentre os muitos outros símbolos, se destaca no canto superior direito do painel, um homem de braços levantados, boca aberta e pescoço longo, tal qual a figura central do quadro “Os Fuzilamentos de 3 de Maio” de Goya.
Os Fuzilamento de 3 de Maio
O quadro “Os Fuzilamento de 3 de Maio” de Goya representa um outro momento histórico, os fuzilamentos de espanhóis que eram contra a ocupação da Espanha pelo Imperador Napoleão Bonaparte. Contudo, a obra transcende o momento específico e passa a representar a repressão napoleônica à resistência ao seu domínio no mês de maio de 1808. A obra atinge uma transcendência tal que, como a “Guernica”, representa a luta contra a opressão, atemporal e não delimitada por um local específico.
Na Revolução Francesa, se lutava pelo fim do absolutismo de Luís XVI e pela liberdade comercial da burguesia, sob o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Durante esses levantes, Napoleão Bonaparte se destacou e, após o golpe ao Diretório, se instalou o Consulado, nova forma de governo, com três representantes: Napoleão, o abade Sieyès e Roger Ducos. Porém, em 1802, com uma nova constituição, os poderes se centralizam em Napoleão, que se torna o primeiro cônsul. Externamente, Napoleão comandou muitas guerras, principalmente contra a Inglaterra (concorrente comercial) e países de absolutistas.
Na Espanha, Napoleão coroa o seu irmão José Bonaparte, destituindo o rei espanhol Fernando VII. Foi o início da resistência ao domínio napoleônico no território espanhol. Várias guerrilhas surgiram por todo o país, financiadas pela Inglaterra. As vitórias das guerrilhas desgastavam o exército francês e estimulavam outros povos a resistirem. A obra “Os Fuzilamentos de 3 de Maio” representa esse momento de resistência.
A estética do quadro, com seu jogo de luz, ressalta a figura da vítima que está para ser fuzilada. A luz branca incide sobre sua camisa branca e reflete a iminência da morte. Ainda, Goya individualiza as vítimas do acontecimento, revelando suas expressões de terror e tristeza, enquanto deixa os soldados no anonimato (não revela seus rostos).
Conceito de Arte
A palavra arte corresponde a ars do Latim que significa techne do Grego: técnica. Portanto, se refere ao meio de produzir e à atividade humana submetida a regras. Assim, relaciona-se ao que é intencional, e não espontâneo. Ressaltando essas características, Aristóteles afirma que arte é o “hábito de produzir de acordo com a reta razão”1 .
Ainda segundo as teorias clássicas, existem três princípios para estabelecer o conceito de arte: imitação, estética e moral. A imitação é a arte que reproduz as aparências do real. A estética é o conjunto de normas dos elementos sensíveis dispostos na obra, como a simetria, o equilíbrio e as proporções. A moral é o que permite julgar o valor da obra de arte. Seu valor depende dos efeitos que expressa, o que depende então do que representa. De acordo com a filosofia da antiguidade, a arte deve expressar o belo tanto moral quanto estético.
Segundo o conceito de arte ser uma produção intencional, não há dúvida de que ambas obras de arte, a “Guernica” e “Os Fuzilamentos de 8 de Maio”, são consideradas obras de arte. No entanto, se aprofundarmos nos três princípios, a “Guernica” dificilmente será considerada uma obra de arte.
“Os Fuzilamentos de 8 de Maio” tem uma representação da aparência do real (ainda que não busque retratar exatamente a aparência das coisas como a Renascença, é mais fiel ao real que o Cubismo). Assim, o quadro segue o princípio da imitação. Também segue o princípio estético, pois busca um equilíbrio presente nas diferenças de iluminação, um feixe de luz diagonal, resultando na harmonia do quadro. Ainda que o significado da cena de fuzilamento não seja belo, a cena em si consegue ser bela pela dramaticidade e romantismo apresentados no quadro. Quanto ao princípio moral, apesar de não retratar um feito moral, remete o observador a valores de liberdade e vida por contraposição. Assim, obedece também o princípio de moral.
Da mesma forma, a “Guernica” expressa valores de liberdade e vida por contraposição ao terror e dor representados, assim, segue também o princípio de moral. Quanto à estética, por mais desagradável que seja a visão do quadro, ele possui um pensamento de organização dos elementos, tanto que é possível perceber um triângulo, cujo ápice é uma lamparina de um camponês (representando a chama da liberdade). Ainda, a maioria dos elementos se concentra no centro do quadro, equilibrando a pintura. Contudo, o princípio da imitação não é percebido, pois Picasso representa a realidade de forma a transcender as aparências. Certamente tem semelhança com a realidade por mostrar figuras mutiladas. Contudo, ultrapassa a imitação ao inserir simbologias e transformas essas figuras em formas geométricas, longe da representação fiel do real.
Porém, é necessário ressaltar que o conceito de arte sofreu modificações através do tempo. Os movimentos estéticos modificam o estatuto e a função da obra de arte, além da relação da mesma com a realidade. Dessa forma, pode-se destacar o naturalismo grego que perdurou da Grécia Antiga até o final do século XIX. O naturalismo grego, que representa bem o conceito de arte expresso acima, se pautava pelo realismo (representação fiel do real) e idealismo. (representação das coisas em seu melhor estado). Já a estética medieval recorria à estilização, pois a arte, vista como terrena poderia prejudicar o espírito. Assim, a arte era usada por sua função pragmática, ensinando a religião. Proliferava a simbologia.
O naturalismo renascentista aproximou a arte da ciência, portanto buscava-se o ilusionismo visual. As obras de arte estavam sujeitas às regras racionais em busca da harmonia e da perfeição. O iluminismo e academismo estabeleceu que “a arte é uma imitação da natureza que inclui o universal, o normativo, o essencial, o característico e o ideal” 2. Pressupostos que diminuíam a possibilidade criadora do artista.
Kant acrescenta à discussão dos movimentos artísticos ao separar o juízo estético do juízo moral. Afirma que há dois juízos estéticos, o que depende de um conceito e o que ocorrer livremente. Como a razão é a mesma, Kant acredita que o juízo estético será o mesmo para todos os seres humanos. Já a estética romântica reforça a imaginação e valoriza a expressão da emoção.
A ruptura do naturalismo inicia com a revolução estética no século XVIII (contexto em que se insere a “Guernica”). A arte é vista por sua individualidade, possibilidade de experimentação e impossibilidade de definição do belo. A arte não recebe seu valor por outros princípios, como a moral.
Portanto, inserida nesse contexto, a “Guernica” pode ser considerada uma obra de arte em sua totalidade. Pois, não está presa a representação naturalística. Isto é, fidelidade à aparência das coisas. Pelo contrário, tem sua individualidade de expressão, resultado da experimentação de um movimento artístico específico, o Cubismo.
Arte Engajada
Ao conceituar essas duas obras como arte, “Guernica” e “Os Fuzilamentos de 8 de Maio” é preciso levantar a discussão de sua legitimidade como obra artística ao possuir uma função social. Muitos criticaram a “Guernica”, mais especificamente, por misturar arte e política, outros críticos afirmaram que uma obra tão abstrata não poderia servir a função social de denúncia. Essas críticas reavivam a polêmica em torno da obra engajada.
De um lado dessa polêmica estão os que acreditam que a arte deva ser pura, é a máxima “a arte pela arte”. De outro lado, estão os que medem o valor da arte pelo seu compromisso social. Os primeiros parecem desconhecer que a arte, como toda a produção humana, carrega a ideologia de seu autor, afinal é impossível separar da obra de arte sua bagagem sociocultural. Não faz sentido a arte se apegar a essa idéia de neutralidade e objetividade, pois mesmo quando não escolhe um compromisso social, possui uma função social. Por vezes, pode acabar servindo para a manutenção do status quo. Porém, como lembra Marilena Chauí, ignorar a totalidade da obra de arte, reduzindo a mesma ao valor de seu compromisso social, pode reforçar um descaso com a estética e a composição dos elementos da obra.
Portanto, o equilíbrio entre compromisso social e estética é importante para obra de arte. Tanto a “Guernica” quanto “Os Fuzilamentos de 8 de Maio” se encaixam nessa conceituação de obra de arte. Afinal, possuem um compromisso social e uma preocupação com a forma.
Conceito de Belo e Feio
O conceito de belo defendido por um largo período na filosofia da arte surgiu em um momento histórico determinada, a Grécia Antiga. Segundo esse conceito, o belo é a expressão da exaltação dos valores humanos. Ou seja, o belo é o idealismo humano. Segundo Platão, o belo origina da beleza universal, a beleza transcendente que fala à inteligência por meio dos sentidos. Assim, ressalta três espécies de beleza: a estética, a moral e a espiritual. A estética se refere a elementos puros e agradáveis, que têm qualidades harmoniosas. A moral pode ser traduzida como o Bem de Aristóteles, a moderação entre virtude e vício. O espiritual, ou intelectual, se relaciona com o conhecimento teórico. A partir desse conceito de belo, o feio seria a contraposição. Isto é, a obra de arte que não seguisse a beleza, a estética e a moral.
Esse conceito, se aproxima muito do conceito de arte que segue os princípios de imitação, estética e moral. Porém, acrescenta uma nova categoria que é o espiritual. Retornando a análise de “Guernica” e “Os Fuzilamentos de 8 de Maio”, precebemos que ambos possuem a estética espiritual. Afinal, seus pintores possuíam uma carga teórica e acúmulo de conhecimento para a realização das obras. Picasso passava por um processo de construção na realização da obra de arte que necessitava de um conhecimento prévio tanto das técnicas mais tradicionais como das propostas do Cubismo. Já Goya utiliza a teoria, e a beleza espiritual, ao utilizar a iluminação e mesmo certa reprodução da aparência das coisas.
Ainda sobre o conceito de feio no livro Filosofando, existe a representação do feio e a representação feia. No caso, existe a representação do feio na “Guernica” e “Os Fuzilamentos de 8 de Maio” por mostrarem momentos históricos de tragédia humana. Porém, não são obras feias, pois “só haverá obras feias na medida em que forem malfeitas, isto é, não corresponderem plenamente à sua proposta” 3.
Vale ressaltar que a definição do belo acima pode ser muito limitador. Pois, o conceito de belo é muito flutuante e relativo, dependendo do contexto histórico e da cultura. Assim, “Hegel [...] introduz o conceito de história. A beleza muda de face e de aspecto através dos tempos. Essa mudança (devir), que se reflete na arte, depende mais da cultura e da visão de mundo vigentes do que de uma exigência interna do belo” 4. Portanto, ambas obras de arte analisadas são belas por cumprirem sua proposta e estarem de acordo com seu tempo e cultura. Ressalto que o Cubismo causou estranhamento e ainda causa, mas entre os pintores do movimento e os apreciadores, a corrente artística e a “Guernica” estava de acordo com o considerado belo como harmonia e disposição dos elementos.
Arte e Comunicação
Todos os conceitos de arte, tanto os mais clássicos de belo e feio, quanto os mais contemporâneos de individualidade e experimentação, se referem a produção e experiência artística. Ou seja, tal qual a Comunicação, a arte é produzida e recebida pelo observador. Dessa forma, a arte pode ser vista como comunicação. É o autor que expressa em um suporte físico suas emoções e pensamentos.
A experiência estética se relaciona com o momento em que o receptor tem acesso à mensagem. Dessa forma, percebemos que são muitos os fatores que influenciam na interpretação da mensagem e, portanto, no entendimento da obra de arte. Assim, não existe uma experiência universal da obra de arte, pois é necessário levar em conta a ideologia, a cultura e o interesse do observador (dentre outros fatores).
Ainda como comunicação, a arte é acúmulo. Não somente o acúmulo da técnica, da teoria e da história da arte. Mas, o acúmulo da vivência e produção humana que são refletidos tanto no tema como na forma de realizar a obra de arte.
Mais ainda, para se ressaltar as duas obras analisadas, “Guernica” e “Os Fuzilamentos de 8 de Maio”, a arte cumpre função social por ser uma produção social. Também a comunicação é uma atividade humana e seu conteúdo nunca será neutro ou objetivo (por mais que pretenda o jornalismo e o documentário). Tanto a arte como a comunicação faz uma escolha em sua função social, ainda que seja a manutenção do status quo. Para além dessa discussão, a arte pode ser vista como Comunicação quando é claramente comprometida socialmente, porque necessita ser disseminada. Precisa que a maioria das pessoas conheça a obra e também o acontecimento que retrata. Afinal, seu objetivo é a mudança e, para isso, tem que tocar o sentimento e a razão das pessoas para que elas também desejem a mudança.
Notas
1-Citado em NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte.São Paulo: Ática, 1989, pp.20
2-ARANHA e MARTINS. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993, pp. 365
3-ARANHA e MARTINS. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993, pp. 342
4- Ibid. pp.342
Bibliografia
ARANHA e MARTINS. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995
NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. São Paulo: Ática, 1989
PROENÇA, Graça. História da arte. São Paulo: Ática, 1997
READ, Herbert. O sentido da arte. São Paulo: IBRASA, 1976
VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997
Art Online http://cv.uoc.es/~991_04_005_01_web/fitxer/perc84.html
História por Voltaire Schilling http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/guernica_eta.htm
Mundo Cultural http://www.mundocultural.com.br/index.asp?url=http://www.mundocultural.com.br/analise/guernica/obra_arte.html
|