Rádio Comunitária, o princípio do respeito histórico ao âmbito legal do proibido
A lei é um texto. Todo texto pressupõe um contexto, tanto discursivo quanto social. Embora o texto permaneça o mesmo, o âmbito do legalmente proibido se transforma, tendo em vista a contínua transformação do contexto, porque qualquer produto da atividade do discurso humano deriva sua forma e seu significado da situação social em que aparece a fala: o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. Toda lei surge a partir de um fato social ou clamor público, portanto o que hoje é ilegal amanhã pode deixar de ser.
A transformação do contexto discursivo carreia problemas que são mais graves quando provindo de mudanças no âmbito social, cultural ou tecnológico. À luz de mudanças dessa natureza, uma conduta pode perder todo seu conteúdo lesivo ou dele carecer na imensa maioria dos casos (como, abstraídas as franquias constitucionais acerca da livre expressão artística científica e de comunicação independente de censura ou licença - art.5º, inc.IX CR-, seria de observar-se na exposição pública de desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno” – art. 234 CP – no contexto dos movimentos de arte contemporâneos e da moralidade pública posterior à chamada “revolução sexual.
Em tais circunstâncias, a questão é resolvida através da aplicação do princípio da lesividade, cabendo notar que o mesmo objeto material que, na metade do século XX, porventura poderia ofender sentimentos de pudor, a ponto de sugerir ao legislador de 1940 a criminalização antes referida, seria agora no século XXI completamente inofensivo – salvo para um teórico ou um juiz que precisamente o subtraísse (ou se subtraísse) do respectivo contexto histórico. O problema se agrava quando o texto, devido a uma dessas mudanças, aparece abarcando um âmbito de proibição inusitadamente amplo, como ocorreu no campo das violações penalmente relevantes de direitos autorais pela corrida tecnológica, que recorrentemente propiciava meios inéditos de reprodução das obras protegidas, e, portanto não-contemplados por um legislador no particular inevitavelmente sempre atrasado.
Um tipo penal não pode arvorar-se em instrumento de indiscriminada criminalização; o legislador não profetiza, esgotando-se seu poder na disciplina legal daquilo que conhece.” (Batista; Zaffaronni, DIREITO PENAL BRASILEIRO, pg. 211, 212).
Pode um Governo criminalizar uma ação que a sociedade não condena?