As tardes de segunda-feira sempre começam bem animadas para as crianças e adolescentes atendidos pelo projeto "Gol de Esperança", no bairro de Nova Parnamirim, na região metropolitana de Natal. Na sede do Núcleo Adra de Desenvolvimento, uma aula de inglês precede as atividades físicas. Diante de olhares atentos e muita curiosidade, aprendem juntas termos estrangeiros do futebol e participam de dinâmicas propostas pelo professor do idioma. Após os estudos, uma breve caminhada até a Escola Municipal Luiz Carlos Guimarães e, enfim, é chegado o momento mais esperado do dia: a hora do futebol.
Na prática, alguns fatores chamam atenção. As crianças se diferem de várias formas: na idade, no tamanho, na cor da chuteira ou até mesmo na altura do meião. Mas uma coisa todas elas carregam em comum: o brilho no sorriso de estar participando de mais uma edição do projeto. Leveza, diversão, solidariedade e, principalmente, amizade são alguns dos valores que elas absorvem logo quando entram na instituição, independentemente do que cada um passou antes de estar ali. O "Gol de Esperança" é sinônimo de acolhimento para elas. Iniciativas deste tipo também são fundamentais para dar suporte na construção do sonho delas.
Lideradas pelos voluntários, as crianças se deslocam juntas para a quadra da escola que fica a poucas ruas da sede do Adra — Foto: Luiz Gustavo Ribeiro/GloboEsporte.com
Segundo o pastor Erinaldo Costa, diretor regional da Adra, a organização proporciona uma rede de aprendizado tanto para as crianças quanto para os mais de 100 voluntários que participam da ONG no Rio Grande do Norte. No "Gol", são 60 crianças e adolescentes de 6 a 17 anos atendidos.
- Eu fui criança e não tive a oportunidade de participar de esporte e educação num projeto social. Elas (crianças) poderiam estar vivendo uma situação complicada, quem sabe sendo usadas como 'aviõezinhos' (no tráfico de drogas). O projeto acaba blindando essa garotada, porque elas estão todos os dias aqui. Oferecemos esporte, inglês, espanhol, francês, música. Nós temos uma satisfação enorme em atender, porque dessa forma nós ajudamos a transformar o Brasil, porque com educação a gente constrói um Brasil melhor - disse Erinaldo.
Aos 11 anos, Jonesy Davinson está desde março no Adra e há um mês no "Gol de Esperança". Incentivado pela mãe a participar do projeto esportivo, o garoto de poucas palavras superou a timidez, venceu um trauma escolar em relação ao esporte, voltou a jogar futebol e atualmente revela que ficaria o dia inteiro no projeto, que, na área esportiva, engloba futebol, vôlei e recreação para as crianças.
- Minha mãe queria que eu fizesse esporte para emagrecer, aprender algumas coisas sobre os esportes e quis me colocar. Dá vontade de morar aqui, porque é muito bom. É uma vida que eu não tinha antes. O projeto mudou tudo. Era muito ruim e sem graça - disse Jonesy.
Jonesy vence desafios pessoais com a ajuda do Adra e do Gol de Esperança — Foto: Luiz Gustavo Ribeiro/GloboEsporte.com
Além de ajudar a construir a história, o Adra também está transformando a vida das mães das crianças. Com objetivo de livrar o filho do sedentarismo e mudar os ares de sua rotina, a manicure Aline Peres, mãe de Jonesy, revela que buscou ajuda na ONG e não conseguiu mais se separar da organização. Segundo ela, o desenvolvimento do filho é gratificante de acompanhar e garante que o esporte tem grande influência nos avanços.
- Ele era muito fechado. Agora, ele conversa mais, tem mais amizades. Ele ficava muito dentro de casa, preso. E aqui ele conseguiu fazer mais coisas. Ele está amando, principalmente os cursos - disse Aline sobre o filho.
Aline é apenas uma das várias mães que foram procurar ajuda e hoje atuam como voluntárias no Adra. Além de encontrar auxílio para os filhos e também desfrutarem dos diversos cursos de idiomas e artesanais, elas passaram a contribuir com produções para arrecadar fundos para a organização.
- Eu digo que a Adra foi uma bênção na minha vida. Abriu mais meu coração para o amor. Eu era muito calada, que nem meu filho, e isso me incentivou a chegar ajudar as pessoas. Hoje eu faço todos os cursos que tem aqui e é muito bom. Sem falar que eu estava com quase depressão de tanto ficar em casa e o Adra me ajudou muito - revelou a manicure.
O futebol é o momento mais esperado pelas crianças do Gol de Esperança — Foto: Luiz Gustavo Ribeiro/GloboEsporte.com
O "Gol de Esperança" é financiado pelo Fundo da Infância e Adolescência de Parnamirim. O fundo é composto por diversos recursos fixos do município oriundos da declaração do Imposto de Renda, em que qualquer pessoa física ou jurídica pode destinar 1% do valor total, e de recursos orçamentários do município. O Adra participou do edital que foi avaliado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica) e foi contemplado com R$ 20 mil este ano. A verba foi utilizada na compra de materiais esportivos, na contratação de professores de educação física e inglês, além de auxiliar na alimentação das crianças.
Antes voluntário do Adra, o professor de educação física Carlos Rodrigues é um dos contratados com o dinheiro do financiamento. Ele não esconde que é muito gratificante ver como um projeto como o "Gol de Esperança" tem o poder de transformar vidas.
- O que me alegra com esse trabalho é poder ver alegria no rosto de cada um deles. A maioria das crianças é carente e, talvez, se não tivesse esse projeto, não teriam a oportunidade de estar aqui conosco. Estão saindo das drogas, ocupando a mente, o tempo, com lazer, com atividades lúdicas e recreativas - conta Carlos.
Atentas, as crianças escutam as orientações do professor Carlos antes de iniciar as atividades físicas — Foto: Luiz Gustavo Ribeiro/GloboEsporte.com
O financiamento referente ao Fundo da Infância e Adolescência para o "Gol de Esperança" está chegando ao fim. O projeto está no quarto dos cinco meses previstos pelo edital publicado pelo Comdica. De acordo com a promotora de Justiça da Infância e Juventude de Parnamirim, Isabelita Garcia, o Ministério Público fiscaliza a aplicação do fundo junto ao Comdica, ao Conselho Tutelar, às entidades beneficiadas e à prefeitura. Além disso, como forma de apoiar estas iniciativas e aumentar os recursos, o MP faz questão de divulgar que o cidadão comum e as empresas podem destinar 1% do Imposto de Renda ao Fundo da Infância e Adolescência para todos os municípios regulamentados a receber este aporte financeiro.
- O próprio sistema da Receita Federal permite na emissão da declaração que você possa destinar 1% do imposto devido. Você não vai gastar mais. Vamos supor que você deve R$ 1.000. Em vez de você destinar todo esse montante ao Tesouro Nacional, 1% desse valor você pode destinar ao fundo da sua cidade. Você está destinando a um fundo que é gerenciado por um colegiado, que é fiscalizado pelo Ministério Público para projetos que vão ter repercussão no seu município. Então, crianças que estariam em situação de rua, de mendicância, na abrangência do tráfico, vão estar em espaços de proteção através de projetos sociais que são financiados com recursos de fundos - explica.
A recreação arranca risadas no Gol de Esperança — Foto: Luiz Gustavo Ribeiro/GloboEsporte.com
A promotora também enfatiza a importância e a facilidade de como as pessoas possam ajudar a potencializar a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente. De acordo com ela, cada pessoa tem o poder de dar suporte às instituições que desenvolvem um trabalho em prol do desenvolvimento humanitário através do esporte, lazer e cultura.
- Contribuindo com isso de forma muito significativa e valorosa enquanto cidadão, você está realmente garantindo que essas crianças e adolescentes tenham perspectivas de futuro melhor. Eu acho que é cumprir nosso dever. Todos nós procuramos uma sociedade mais justa, mais solidária, que realmente haja menos desigualdade social. E essas entidades que têm seus projetos financiados pelo Fundo da Infância e Adolescência traz esse impacto de realmente minimizar essas mazelas sociais, de ter o cuidado, a proteção, a garantia de direito, que é fundamental para a estruturação delas, para que elas possam seguir e ter uma vida melhor - afirma a promotora.
A Adra conta mais de 100 voluntários no Rio Grande do Norte — Foto: Luiz Gustavo Ribeiro/GloboEsporte.com
Além do projeto esportivo, o Núcleo Adra desenvolve diversas atividades humanitárias. A sede potiguar atende ao todo 80 crianças, que, além das atividades esportivas, desfrutam de aulas de idiomas, alfabetização, informática e musicalização. A organização também oferece diversos serviços relacionados à saúde, como o acompanhamento psicológico, que atende a maioria das crianças envolvidas nas atividades. Além de ofertar serviços, como cursos e acompanhamentos médicos, para adultos, como as mães dos alunos. Na sede da ONG, também existe um bazar permanente com peças de roupas, brinquedos e objetos de decoração provenientes de doações e peças artesanais criadas por voluntários - muitas delas feitas pelas mães das crianças que participam do Gol de Esperança.