Diante dos debates que vêm ocorrendo acerca do humor, eu e André Lobão, procuramos Laerte Coutinho. Chargista de longa data e conhecida por histórias como Piratas do Tietê e Overman, Laerte e outros de sua geração têm Chalie Hebdo como grande referência na linguagem da Charge. Diante dos diversos debates colocados após o atentado à revista francesa, procuramos Laerte para debater questões sobre charge e humor. A ideia inicial era uma entrevista por telefone, mas a chargista preferiu por escrito tendo em vista ter sido publicada “muita coisa estranha” do que dissera por telefone. Sendo assim, mandamos cinco perguntas por e-mail. As respostas são diretas e não deixam de lado a crítica aos entrevistadores, sempre boas para quem deseja melhorar. Leia abaixo a íntegra, sem cortes nem edições da entrevista com Laerte Coutinho.
Em primeiro lugar, qual o limite do humor?
Não existe um limite do humor.
Senão não estaríamos falando de uma linguagem, que é o que é o humor.
A pergunta deixa evidente uma vontade regulatória - e prévia, o que configura censura.
Na sua opinião, o Humor tem ideologia?
Sim, tem - como todo e qualquer discurso humano. Não existe humor ideologicamente neutro.
Como analisar o atentado contra a Charlie Hedbo e a capitalização do mesmo pela direita francesa, que era um dos maiores alvos de crítica da revista?
Acho que um dos objetivos deste ataque era justamente este, o de descaracterizar o aspecto libertário de um jornal como o Charlie Hebdo, exibindo e amplificando uma suposta linha editorial anti-islâmica; e dar munição e argumentos para a extrema direita - o que não quer dizer que esta o tenha planejado e executado. Ações irracionais como esta e as propostas da extrema direita, de hostilidade e repressão a imigrantes, beneficiam-se entre si, dentro da ideia de construir cenários bons para a guerra.
Qual a perspectiva do humor e da charge após esse episódio?
A pergunta supõe uma mudança.
Acho que não vai haver mudança - seja na direção de uma hipotética cautela ou diminuição da agressividade no trabalho dos humoristas e cartunistas, seja num exacerbamento dessa agressividade. As charges e o humor vão continuar acompanhando a dinâmica desses sentimentos que existe na vida social.
Hoje na internet, nas redes sociais, vemos os chamados memes proliferarem cada vez mais. Muitas vezes alguns são bem "cáusticos" e com referências a minorias. O meme poderia ser considerado uma nova forma de charge? Como você analisa esse fenômeno?
Não sei se localizo bem o que é um meme.
Se for como entendo - a possibilidade de pessoas que não desenham se expressarem com humor gráfico, é uma forma nova, de fato - que possibilita um grau bem grande de anonimato, ao contrário do desenho, cujo traço é identificador.
Acho algo típico da internet.