Na terça-feira, 25 de Março foi votado na Câmara dos Deputados o Marco Civil da Internet. O projeto que gerou uma verdadeira queda-de-braço entre os interesses da sociedade civil e das empresas de telecomunicações acabou sendo aprovado na sua versão original. Com isso ficam garantidos aos usuários de internet diversos direitos, como a privacidade dos seus dados, a neutralidade da rede que é o que permite utilizar todo o conteúdo da internet independente do plano oferecido pela operadora. Para entendermos um pouco mais o que representa esse projeto e o jogo político que o envolve entrevistei Bia Barbosa do Coletivo Intervozes que participou ativamente de todas as discussões que envolveram o Marco Civil da Internet.
Pedro Martins: Bia, o que representa a aprovação do marco civil da internet? Diz pra gente porque isso é considerado uma vitória da sociedade civil?
Bia Barbosa: Bom, eu acho que o Marco Civil da Internet foi uma conquista da sociedade civil que conseguiu depois de muita mobilização e diálogo com o Congresso Nacional e com o poder executivo aprovar uma legislação que pode se tornar uma referencia internacional em termos de regulação de internet. O Marco Civil nasceu em 2009 com o esforço da sociedade civil em dar uma resposta a projetos de lei que na época tentavam criminalizar condutas da internet e naquele momento ficou muito claro para a sociedade civil que antes da gente criminalizar condutas da internet era necessário garantir os direitos dos usuários nas redes, e ai nasceu a proposta, foi elaborado pela sociedade civil que recebeu contribuições do Brasil todo, de internautas de todo o país que em 2011 foi enviado pelo poder executivo, foi sistematizado pelo Ministério da Justiça e enviada pelo poder executivo para o Congresso Nacional e desde 2011 esse projeto transitava na Câmara, foi um projeto que sofreu pressões de inúmeros lados mas que felizmente foi aprovado nessa terça-feira com a garantia do principio de neutralidade de rede com a garantia de mecanismos de proteção a privacidade dos usuários e com garantia de liberdade de expressão dos internautas. Esse projeto não vai alterar a forma como a gente vê a internet hoje, como a gente usa a internet hoje, mas ele vem como uma resposta a uma serie de ameaças que a internet continua sofrendo e que tem atingido sistematicamente o direito dos usuários, por exemplo, muitas vezes se diz: a internet é livre, ela não precisa de regulação e ela precisa continuar livre. Na verdade a internet é hoje controlada pelos principais grupos de telecomunicação do mundo. Em relação à privacidade, por exemplo, os dados dos usuários são vendidos cotidianamente sem que os internautas sejam informados sobre isso, a rede não é neutra, quer dizer, as redes que controlam os cabos por onde passam os conteúdos fazem operações de quebra de neutralidade de rede para privilegiar determinado conteúdo em detrimento de outro no fluxo de dados da internet, e há uma série de conteúdos quando a gente fala da questão da liberdade de expressão que são tirados unilateralmente pelos provedores de conteúdo a partir de simples notificações que eles vem recebendo de quem, ou se sente ofendido, ou insatisfeito ou lesado por esse tipo de conteúdo. O marco civil da internet vem responder essas três principais ameaças para garantir que os serviços prestados tenham que respeitar a neutralidade de rede, ou seja, não pode haver nenhum tipo de discriminação de conteúdo no tráfico de dados da internet para garantir que os provedores de conteúdo não retirem o conteúdo sem decisão judicial e para garantir a privacidade do usuário, ou seja, as empresas não podem vender os nossos dados sem autorização expressa dos internautas, então o marco civil vai ser uma resposta importante que vai contribuir bastante para garantir os direitos dos usuários, por isso que a gente considera que foi uma vitória a sua aprovação na câmara.
Pedro: Bom, se a sociedade civil se mobilizou, as teles também se organizaram e fizeram um lobby para aprovarem as suas propostas, tendo como principal líder e articulador o Deputado Eduardo Cunha, do PMDB na Câmara. Conta como foi esse jogo político lá pra gente entender melhor Bia.
Bia: Eu acho que o jogo político e as pressões fazem parte do processo democrático, do mesmo jeito que a sociedade civil pode defender seus interesses as empresas também podem ir lá defender os seus interesses m o problema é que em um determinado momento várias bancadas de vários partidos políticos coordenados principalmente pelo líder do PMDB, o deputado Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro passaram a ter uma postura pra dizer no mínimo pouco republicana ao longo do debate do texto que não se discutia mais o mérito das questões, mas a gente diz que a votação do marco civil foi capturada pelo jogo político em que se estava mais preocupado com questões como financiamento de campanha, liberação de renda parlamentar, cargos no governo para determinadas bancadas afirmarem se votariam a favor ou não do texto e isso começou com uma pressão muito grande das operadoras de telecomunicações sobre os parlamentares, porque obviamente as operadoras querem poder lucrar mais com a internet, então quanto mais deixar o mercado desregulado melhor para elas e o Marco Civil coloca uma série de obrigações para essas empresas ,como eu já falei, então para elas não é interessante economicamente que o Marco Civil fosse aprovado então essa pressão que começou pelas operadoras de telecomunicações em cima de determinadas bancadas e determinados mandatos foi evoluindo para um jogo político que infelizmente contamina muitas discussões no Congresso Nacional que é justamente o que o meu partido vai ganhar em troca se aprovarem esse texto que o governo está defendendo, e ai houve muita confusão nesse processo porque se taxou o Marco Civil como um processo da Presidenta Dilma quando ele na verdade foi construído pela sociedade civil e principalmente em função das denuncias de espionagem que aconteceram feitas pelo Snowden foi abraçado pela presidenta Dilma e que teve desde o início da sua discussão um apoio do governo federal então esse projeto não era de iniciativa do governo , era um projeto da Iniciativa da sociedade civil e em um determinado momento a gente quase viu os direitos dos internautas indo embora pelo ralo em função desse jogo político e da pressão econômica das operadoras de Telecom estavam fazendo dentro do Congresso, felizmente, também em função de um jogo político o governo conseguiu reconfortar a sua base.
Pedro: A grande polemica do projeto girava em torno de neutralidade de rede, você pode explicar melhor para gente o que significa isso?
Bia: A neutralidade de rede é um princípio, e vale lembrar que ele está sendo discutido em vários países do mundo, porque os internautas estão sofrendo isso não só aqui no Brasil, mas no mundo todo, tem um princípio que diz que quem controla os cabos por onde passa os dados da internet não pode controlar o conteúdo por onde esses dados passam, ou seja, eu sou uma operadora de telecomunicações que oferece serviço de acesso a internet eu não posso interferir no acesso do meu usuário para favorecer que um determinado tipo de serviço na internet passe mais rápido na rede do que outro, por exemplo, eu não posso oferecer um plano diferenciado para o meu cliente dizendo que se ele só pagar um valor x ele vai ter acesso a redes sociais e e-mail, se ele pagar um valor mais alto ela vai poder fazer o download de uma música, se ele pagar um valor mais alto ainda ele vai poder fazer o download de um filme, ou ele vai poder fazer o upload de um vídeo, esse tipo de diferenciação do uso da rede por tipo de conteúdo que está sendo trafegado é algo que o princípio da neutralização de rede pede, ou seja, eu enquanto usuário tenho que poder usar a plenitude da internet em todas as suas formas claro que tem uma diferenciação em relação a velocidade dos dados, isso vai continuar acontecendo , o Marco Civil da Internet não impede isso, então se eu compro um plano com uma velocidade de 2 mega e se eu compro um plano com uma velocidade de 10 mega vai ter uma diferença na velocidade dos dados que vão trafegar, mas dentro dessa velocidade eu tenho que poder usar a internet na sua plenitude, se eu quero assistir um vídeo, se eu quero baixar um filmem se eu quero acessar uma página de governo eletrônico, se eu quero fazer declaração do meu imposto de renda , se eu quero mandar e-mail, se eu quero usar as redes sociais, eu tenho que poder usar a internet na sua complexidade, o que as operadoras de telecomunicações estavam querendo fazer era desenvolver um modelo de negócios que transformaria a internet em quase uma TV à cabo, que é se você paga mais você pode usar mais serviços da internet, se você paga menos você fica com a internet básica que na concepção delas é rede social e e-mail, então isso acabaria com todos os benefícios da internet para a imensa maioria da população, a gente criaria a internet dos ricos e a internet dos pobres, quem poderia pagar continuaria tendo a internet da forma como ela é hoje e quem não pudesse ficaria com o resumo da internet , só com e-mail e rede social, então a neutralidade de rede, proíbe a descriminação de qualquer conteúdo no momento do trafego desse conteúdo pelo usuário , quem tiver um plano de acesso vai poder acessar qualquer tipo de conteúdo na rede sem criar nenhum tipo de pedágio.
Pedro: Obrigado Bia, um abraço!
Do Rio de Janeiro, Pedro Martins para o Radiotube.
Transcrição: Ingrid Guasti