A busca por petróleo pode causar diversos impactos, além de doenças como câncer e leucemia, às comunidades tradicionais do Vale do Javari. O alerta foi dado pelo ambientalista e especialista no assunto, Júlio César Leitão, em entrevista ao programa Amazônia Brasileira, da Rádio Nacional da Amazônia.
A responsável pelas pesquisas próximas ao Vale do Javari é a Agência Nacional do Petróleo, ANP, que, por sua vez, contratou os serviços da empresa Georadar Levantamentos Geofísicos S.A.
Embora as atividades estejam acontecendo a 10 quilômetros da Terra Indígena, entre o Acre e o Amazonas, lideranças locais acreditam que índios aldeados e isolados já estariam sendo impactados pela poluição sonora e pelo iminente contato com não índios.
Além disso, a distância entre os caminhos usados pelos Marubo, uma das etnias da região, para acessar a sede do município de Cruzeiro do Sul, no Acre, e as linhas sísmicas seria de apenas 5 e 6 quilômetros. Esses mesmos caminhos seriam usados, esporadicamente, pelos índios não contatados.
O consultor Júlio César Leitão alerta sobre a busca por petróleo por meio da chamada operação de sísmica, que está ligada ao uso de material radioativo, usado para fazer uma espécie de radiografia do solo.
SONORA “O fato é: se você está numa floresta virgem e está fazendo uma prospecção desse nível, é claro que você tem impactos sim. Primeiro o impacto sonoro. E outra: eu não sei qual é o tipo de impacto que essa radioatividade pode causar no lençol freático, porque essa radioatividade vai passar da sonda para o solo. Se ela aprofundar cem metros, todo o rio subterrâneo será contaminado. Fora isso, você vai contaminar também as raízes das árvores, você vai contaminar as árvores frutíferas e, se serão contaminadas, daqui a mais ou menos 5 ou 6 anos, nós teremos pessoas com problemas de leucemia, nós teremos pessoas com problemas de câncer na pele, nós teremos pessoas com problemas de infertilidade... porque esses são os sinais da contaminação por radioatividade”.
Por meio de sua assessoria, a Agência Nacional do Petróleo informou que todas as condicionantes ambientais e trâmites legais exigidos para o levantamento sísmico foram respeitados. Disse também que o trabalho só foi iniciado após a emissão de licença ambiental pelo Ibama e depois de consulta prévia à Funai, que, por sua vez, teria informado não haver incidência direta das operações sobre grupos de índios.
Porém, a Funai informou ao Jornal da Amazônia que não concedeu anuência ao Ibama, órgão responsável pelo licenciamento, para realização das atividades de campo relacionadas à Pesquisa Geofísica Terrestre na Bacia Sedimentar do Acre.
Disse, ainda, que, diante dos impactos que a atividade tem apresentado aos povos indígenas do Vale do Javari e aos povos isolados da região, solicitou ao Ibama a suspensão da Licença de Operação, expedida pelo órgão em favor da empresa Georadar Levantamentos Geofísicos S.A.
A solicitação foi enviada por meio de ofício, emitido nesta terça-feira, 8 de janeiro de 2013.
Por fim, a Funai informou que prepara uma expedição à área para monitorar as denúncias feitas pelos indígenas e averiguar os impactos que as atividades têm causado.
Outro agravante seria a ausência de consulta prévia aos povos indígenas da região, direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a OIT.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo, no início do levantamento sísmico, houve uma audiência pública na cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, com a presença de representes da sociedade civil organizada, com o objetivo de informar a comunidade sobre as características do trabalho.
No entanto, a liderança do Vale do Javari, Beto Marubo, diz que somente após questionamento sobre as atividades, os indígenas passaram a ser chamados pela ANP para obter esclarecimentos.
SONORA “A gente não soube de forma oficial, pelos órgãos de governo nem de nenhuma outra forma, a não ser casualmente. Nós fomos pra uma reunião da OIT, reunião promovida pelos Ticuna em Tabatinga, e aí, por um acaso, alguém falou lá sobre essa questão do trabalho de prospecção de petróleo, e foi uma surpresa, porque ninguém sabia do que vinha acontecendo, e isso já vinha acontecendo há meses”.
Segundo Marubo, o Vale do Javari concentra o maior número de índios isolados do mundo. Seriam 22 grupos distintos, sendo 17 confirmados pela Funai. Ele acrescenta que, de acordo com indicadores da fundação, a população dos isolados pode vir a ser maior que a de índios aldeados, que hoje são cerca de 5 mil na região.
A Agência Nacional do Petróleo informou que em nenhum momento foi oficialmente contactada pela Funai ou por qualquer liderança indígena, para prestar esclarecimentos sobre o trabalho na Bacia do Acre, e disse estar à disposição para quaisquer elucidações necessárias.
Por fim, acrescentou que o levantamento sísmico na Bacia do Acre integra o Plano Plurianual de Estudos de Geologia e Geofísica. Iniciado em 2007, o plano está inserido no Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, do governo federal.
O objetivo, segundo a agência, é ter acesso a dados geológicos e geofísicos nas bacias sedimentares pouco conhecidas. A ANP disse, ainda, que o plano prevê investimentos em 23 estados brasileiros, e a Bacia do Acre já recebeu, até o momento, cerca de 81 milhões de reais.
A reportagem aguarda o retorno do Ibama sobre o caso.
Com a colaboração de Beth Begonha, de Brasília, Juliana Maya.
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