O Ministério Público Federal (MPF) em Governador Valadares, Minas Gerais, denunciou o oficial reformado da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) Manoel dos Santos Pinheiro por crimes contra a etnia indígena Krenak cometidos durante a ditadura. Segundo a acusação, Capitão Pinheiro causou grave lesão à integridade física e mental dos indígenas e submeteu intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar sua destruição física total ou parcial, além de ter adotado medidas para impedir nascimentos no seio do grupo, o que configura o crime de genocídio, não abrangido pela Lei de Anistia. As penas previstas, para o crime de genocídio nessas três práticas citadas contra o militar variam de um a 15 anos de prisão.
Os crimes ocorreram entre 1968 e 1972, no contexto da criação da Guarda Rural Indígena (Grin) – uma espécie de milícia comandada por Pinheiro, após sua nomeação pela ditadura como chefe da Ajudância Minas Bahia da Funai –, da instalação de um presídio chamado de “Reformatório Krenak” – que funcionava como um centro de tortura – e do deslocamento forçado para a fazenda Guarani, no município de Carmésia, que também funcionou como local de detenção arbitrária.
As remoções de populações indígenas ocorriam no âmbito da implementação do Plano de Integração Nacional, gestado desde o governo Castelo Branco (1964-67), para expandir as “fronteiras internas” do país, criando cidades, ampliando negócios e rodovias para o escoamento de matérias primas. Essa expansão resultou no assassinato individual e coletivo, perseguição, criminalização, prisão e tortura de lideranças indígenas que lutavam em defesa dos seus territórios ou que tivessem comportamentos considerados inadequados frente à política de desenvolvimento do governo.
A solenidade de formatura da primeira turma da Grin ocorreu na presença do então governador de Minas Gerais, Israel Pinheiro, do seu secretário estadual de Educação, José Maria Alkmin – que fora vice-presidente entre 1964 e 1967 – e de outras altas autoridades federais. Durante o desfile, foi exibido um índio dependurado em um pau de arara. A cena, que consta no filme Arara, do diretor Jesco Von Puttmaker, é a única registrada no Brasil que mostra, em um evento público, um ato de tortura.
Para o Reformatório Krenak, comandado por Pinheiro, foram enviados indígenas de mais de 15 etnias, oriundos de ao menos 11 estados das cinco regiões do país. Segundo o MPF, os indígenas eram aprisionados por diversos motivos: embriaguez, manutenção de relações sexuais e saída não autorizada da terra indígena. Lá eram submetidos a todo tipo de arbitrariedade: trabalhos forçados, tortura e maus tratos. Havia uma espécie de solitária no reformatório, que os índios chamavam de “cubículo”, onde eram mantidos dia e noite com água pingando sobre os que eram mantidos ali, como forma de punição.
Segundo a antropóloga Paula Berbert, a denúncia contra o Capitão Pinheiro é uma vitória do povo Krenak contra a impunidade e o esquecimento dos crimes cometidos pela ditadura contra as populações indígenas. Ela lembra que, por conta da saída pactuada que resultou na Lei da Anistia, “o Brasil demorou muito até conseguir olhar para essa grande ferida”. Paula lembra que, antes dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), os mortos e desaparecidos durante a ditadura eram estimados em cerca de 440. Depois dos trabalhos da comissão, só entre os indígenas, este número subiu para 8.350, no período entre 1948 e 1988. (pulsar/rba)