“Temos a convicção de que trilhamos um caminho difícil e incerto, mas cumprimos a missão.” Assim o general Braga Netto avaliou a intervenção federal de dez meses no Rio de Janeiro na cerimônia de seu encerramento, em 27 de dezembro do ano passado. O ponto de vista do militar, que foi responsável pela Segurança Pública do Rio nesse período, contrasta com o balanço do Observatório da Intervenção.
Após acompanhar diariamente os resultados da presença das Forças Armadas no estado por 320 dias, o Observatório lançou nesta quinta-feira (14), dia em que a execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completa 11 meses, um relatório com dados que explicitam os impactos da intervenção federal.
Intitulado “Intervenção Federal: um modelo para não copiar”, o documento reúne a avaliação dos especialistas que compõem o Observatório, liderado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC/UCAM).
A conclusão dos pesquisadores se baseia no fato de que a gestão da Segurança Pública do Rio pelo Gabinete de Intervenção Federal não registrou mudanças significativas – a despeito da injeção de mais de um bilhão de reais de recursos da União.
Em comparação com o mesmo período do ano anterior, as mortes violentas tiveram uma redução de 1,7 por cento. Apesar de uma queda de 9,4 por cento na capital e 6,5 por cento na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio, o indicador de mortes violentas foi compensado por um aumento de 15,8 por cento no interior do estado.
Fenômeno semelhante ocorreu com os roubos de carga, cuja redução foi elencada como prioridade pelo comando da intervenção. Em 2017, o impacto econômico desse tipo de crime para o estado foi estimado em mais de oito bilhões de reais pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Operações de combate a essa prática chegaram a mobilizar mais de cinco mil agentes das Forças Armadas, Polícia Militar e Polícia Civil em junho do ano passado. Os esforços tiveram resultados, e os indicadores tiveram queda de 17,2 por cento.
Novamente, porém, com forte disparidade entre a realidade da região metropolitana e o interior do estado, onde chegaram a aumentar 46,5 por cento. Além disso, o último trimestre de 2018 superou as ocorrências do mesmo período de 2017 em quase cinco por cento, o que demonstra a insustentabilidade da estratégia adotada.
Para a socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos, esse conjunto de dados revela um caráter midiático da estratégia implementada no Rio de Janeiro. “Se essas ações de grande visibilidade não são articuladas com um trabalho silencioso de longo prazo, de desarticulação, o crime se desloca com muita facilidade. É muito difícil para as autoridades entenderem que o que estão fazendo hoje vai ter efeito só daqui a seis meses, um ano. Mas, como não se faz isso, temos sempre os mesmos problemas no ano seguinte”, comenta.
A crítica dos especialistas do Observatório se concentra justamente na ineficácia do modelo repressivo para combater organizações criminosas.
Durante os dez meses de intervenção, foram realizadas 711 operações e 221 ações de patrulhamento no Rio. O número de armas longas (fuzis, metralhadoras e submetralhadoras) apreendidas no período foi 8,2 por cento inferior ao registrado em 2017. (pulsar/carta capital)