Pressionada por parceiros internacionais preocupados com a imensa quantidade de agrotóxicos liberada pelo governo, mais de 300 desde janeiro, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, recorreu a mais uma mitologia. Segundo ela, o clima no Brasil não é favorável ao cultivo de orgânicos e só resta aos produtores a alternativa de jogar pesticidas nas plantações.
E o ritmo de novas autorizações não para. Na terça-feira ()1º, o ministério anunciou a análise de mais 33 pedidos de liberação de agrotóxicos, para alegria da indústria que encontra cada vez mais dificuldade para desovar seus produtos em nações desenvolvidas. Não se trata apenas de volume. O País impõe limites de toxicidade absurdamente mais elevados que aqueles permitidos nas principais economias do planeta. Um trabalho elaborado pela pesquisadora Larissa Bombardi, “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a Comunidade Europeia”, aponta a diferença entre os limites locais e aqueles adotados na União Europeia.
Embora as metodologias sejam diferentes, assim como os anos apurados, um estudo elaborado pela European Envinroment Agency, em 2008, “Use of Herbicides Across Europe”, mostra que na União Europeia a escala não passa de dois quilos por hectare – e essa quantidade só é utilizada em um único país, a Bélgica. No Brasil, a média de consumo do glifosato nos estados da Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul oscila entre cinco e nove quilos por hectare. No Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso, esse número cresce assustadoramente: entre nove e 19 quilos.
Segundo o professor Pablo Moritz, diretor do Centro de Formação Toxicológica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, não existe um jeito seguro para o uso de agrotóxicos na produção de alimentos. “Nos períodos de maior vulnerabilidade do nosso corpo, como gravidez, infância e adolescência, qualquer dose pode provocar graves doenças”, afirma.
O resultado dessa engenharia da morte é que a presença de herbicidas nos alimentos tende a ser fatal à saúde humana. Existem quatro graves consequências, enumera Moritz. A primeira, chamada de neurotoxicidade, age diretamente no sistema nervoso periférico. A segunda é a chamada toxicidade endócrina, que afeta os órgãos regulados por hormônios. A terceira é o câncer. Por fim, estimula-se a chamada disbiose intestinal, um desequilíbrio causado pela diminuição do número de bactérias boas do intestino e o aumento das bactérias capazes de causar doença.
No Brasil, entre 2007 e 2014, foram registradas quase duas mil mortes por intoxicação agrícola, média de 148 óbitos por ano ou um caso a cada dois dias e meio. O campeão é o Paraná, com 231 falecimentos no período, seguido por Pernambuco (151) e o trio São Paulo, Minas Gerais e Ceará (83 cada um).
Os registros oficiais do Ministério da Saúde apontam que, no mesmo período, os casos de intoxicação por agrotóxicos superam 25 mil. O alarmante nesta estatística é que, para cada caso notificado, pode haver 50 outras não notificadas. “Os casos apontados no Mapa são apenas a ponta do iceberg, cerca de dois por cento do total”, escreveu Bombardi. Por conseguinte, continua ela, “é possível haver 1,25 milhão de intoxicações no País por agrotóxico”. Na mesma lógica, o número de óbitos seria muito maior. (pulsar/carta capital)