Entre banhos de sol esparsos e celas inadequadas, o sistema penitenciário brasileiro tem tido constantemente a sua capacidade de resolução dos problemas criminais questionada, e dados sobre a ocorrência de transtornos mentais nas penitenciárias de São Paulo colocam em cheque também a sua eficiência na recuperação dos detentos. Um estudo do Departamento de Psiquiatra da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) sobre o tema aponta que, no Brasil, a prevalência de transtornos mentais graves entre os encarcerados é de cinco a 10 vezes maior do que na população geral. Para as mulheres, os números são ainda mais preocupantes. Entre 617 entrevistadas, 68,9 por cento das detentas já tiveram algum tipo de transtorno mental ao longo da vida.
A pesquisa, conduzida há dois anos por Maíra Mendes dos Santos, mestre em Psiquiatria e Psicologia Médica, com 1809 detentos (1192 homens e 617 mulheres), aponta que tímidas melhorias no sistema penitenciário, como a realização de atividades educacionais, que em 2010 atingia oito por cento e quatro anos depois representava 11 por cento da população dos presídios, não acompanharam o ritmo do encarceramento. A superlotação, falta de higiene, pouca circulação de ar, o aumento no risco de doenças infecciosas e o uso de drogas dentro do sistema não impediram que o número de pessoas presas entre os anos de 2000 e 2014 passasse de 232 mil para mais de 607 mil detentos no país, representando um aumento de 119 por cento na população carcerária.
Os números se tornam mais preocupantes quando se observa o quadro do cárcere feminino, que teve um aumento de 567 por cento no mesmo período, colocando o Brasil entre os cinco países com maior população prisional feminina do mundo, segundo dados divulgados pelo próprio Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias em junho do ano passado.
A privação da liberdade pode ser considerada por si só um fator estressante, e as limitações estruturais das penitenciárias dificultam o tratamento de transtornos com a falta de avaliação adequada da situação médica do preso, o que faz com que muitos detentos cumpram sua pena em presídios comuns, prejudicando ainda mais sua reinserção na sociedade.
Em seu último levantamento geral em junho do ano passado, o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) revela que 63 por cento das unidades prisionais no país não possuem um módulo de saúde para o atendimento dos detentos, o que impossibilita o acesso a qualquer serviço de atenção básica no local. Dados também apontam que há apenas 187 médicos psiquiatras em todo o país responsáveis por cuidar da saúde mental dos presos, sendo que estados como Rio de Janeiro e Roraima não contam com qualquer profissional da área, enfermeiros ou dentistas.
As cadeias ainda apresentam aspectos singulares de crueldade para as mulheres, que dentro das penitenciárias apresentam cinco vezes mais chances de possuírem algum problema de saúde em comparação com a população feminina em geral. A presidente do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), Michael Mary Nolan, afirma que “o presídio não foi pensado para elas”. Além de trazer consigo a questão de gênero, as mulheres se veem em meio a um sistema penal machista, que resulta em uma “tripla condenação”, na perda do emprego, casa e quando são mães, também na guarda dos filhos, que pode ser decidida pelo sistema judiciário. E dentro do sistema penitenciário, as mulheres que dão à luz durante o cumprimento da pena são bastante afetadas psicologicamente pelo rompimento com o novo filho. (pulsar/portal fórum)