A pessoa que sabe o que quer tem meio caminho
para conseguir seu objetivo.
Sêneca
Como a maioria dos temas em Psicologia, o senso comum usa e abusa da palavra personalidade, que exerce grande fascínio sobre os leigos. É usada de diferentes maneiras: ora para designar habilidades sociais (a capacidade de tomar decisões rápidas, por exemplo), ora para se referir à impressão marcante que alguém causa a partir de uma característica considerada como central (a timidez, a inteligência...), como também para anunciar a presença de alguém “importante” ou ilustre.
A Psicologia, enquanto abordagem científica deste tema, evita o juízo de valor, ou seja, não faz a valorização da personalidade enquanto boa ou má. O processo de inferência (supor processos ou características psicológicas não observáveis, a partir de comportamento observável), quando ocorre, é rigoroso e fundamentado num método científico. E nenhuma teoria parte de um único comportamento observável para fazer um perfil ou diagnóstico da personalidade.
De modo geral, personalidade refere-se ao modo relativamente constante e peculiar de perceber, pensar, sentir e agir do indivíduo. A definição acaba por incluir habilidades, atitudes, crenças, emoções, desejos, o modo de comportar-se e, inclusive, os aspectos físicos da pessoa. A definição de personalidade engloba também o modo como todos esses aspectos se integram, se organizam, conferindo peculiaridade e singularidade ao indivíduo.
Na psicologia da personalidade, a unidade de análise é o indivíduo total, e não o processo de percepção, de aprendizagem em si. O que interessa é o indivíduo que percebe que aprende e como esses processos relacionam-se entre si e com todos os outros. Nesse sentido, esta área de conhecimento da Psicologia é mais ampla que as demais.
O estudo da personalidade deve ser compreendido no seu aspecto de psicologia geral, isto é, como meio de se estabelecerem leis gerais sobre o funcionamento da personalidade (o que existe em comum em todas as personalidades humanas), independente de fatores culturais, grupais ou circunstanciais. Exemplo, a postulação do id, ego e superego como sistemas constitutivos da estrutura da personalidade com caráter universal, de toda a raça humana. O estudo da personalidade deve ser compreendido, também, no seu aspecto de psicologia diferencial, ou seja, como busca do que existe de único e próprio em cada personalidade, a compreensão do caso individual. O estudo da personalidade, portanto, permite aí a descoberta da individualidade.
Caráter, temperamento e traço
No estudo da personalidade, alguns termos são empregados freqüentemente com diversos significados, inclusive no senso comum. Alguns deles: caráter, temperamento e traço de personalidade.
Caráter - é um termo que os teóricos preferem não empregar, devido à diversidade de usos existentes, inclusive no senso comum, para designar os aspectos morais dos indivíduos. Eventualmente, podemos encontrá-lo na referência a reações afetivas ou para designar aquilo que diferencia um indivíduo de outro, a marca pessoal de alguém.
Temperamento - é outro termo usado em vários sentidos. Deve ser entendido como uma alusão aos aspectos da hereditariedade e da constituição fisiológica que interferem no ritmo individual, no grau de vitalidade ou emotividade dos indivíduos. Neste sentido, afirma-se que os indivíduos têm uma quantidade de energia vital, maior ou menor, que dará a tonalidade de seus comportamentos. Exemplo: existe a pessoa mais calma e a mais agitada.
Traço de personalidade - refere-se a uma característica duradoura da personalidade do indivíduo. Exemplo: ser reservado, ser bem-humorado, ser extrovertido... Os traços são inferidos a partir do comportamento. Alguns podem ser mais centrais e outros mais periféricos. Os centrais seriam aqueles em torno dos quais o conjunto das demais características ou traços organizam-se. Jung desenvolveu também este aspecto em sua teoria da personalidade, chegando a criar tipos psicológicos: o introvertido e o extrovertido.
Os traços podem ser comuns a um grupo social (por exemplo, a persistência), ou podem variar neste mesmo grupo social (por exemplo, a expressão da agressividade). As teorias que desenvolvem essa tipologia de personalidade sofrem algumas críticas no sentido de que são artificiais, porque é impossível encontrar-se um tipo puro, ou seja, os indivíduos normalmente localizam-se em algum ponto desta escala de opostos, por exemplo, quanto a ser passivo ou ativo.
A teoria da personalidade de Erich Fromm
Natural da Alemanha, Fromm (1900-1980) concluiu os estudos em Psicologia, Sociologia e Filosofia em seu país, tendo se radicado nos Estados Unidos a partir de 1933. Sua formação teórica foi em Psicanálise e é considerado um culturalista, porque defendia que os aspectos culturais, sociais e políticos são determinantes das possibilidades de realização humana e, portanto, da estruturação da personalidade.
Este estudioso postula a existência de cinco necessidades específicas que se originam das condições da existência humana:
A necessidade de relacionamento - o homem sente-se isolado porque se separou da Natureza e dos outros homens. Ele, ao contrário dos animais, perdeu suas ligações de interdependência com a Natureza e, portanto, como homem isolado, não está instrumentado para enfrentar todas as condições da Natureza. Nesse sentido, necessita de relações humanas que assegurem o cuidado mútuo, a compreensão.
A necessidade de transcendência - refere-se à necessidade humana de superar sua natureza animal, de poder realizar sua capacidade de raciocinar, imaginar, criar. O bloqueio dessa necessidade leva o homem a ser destruidor. Nesse sentido, o amor e o ódio são respostas à necessidade que o homem tem de superar sua natureza animal.
A necessidade de segurança - diz respeito ao seu desejo de ser parte integrante do mundo e ter certeza quanto ao pertencimento a algum grupo. Esta necessidade é plenamente satisfeita, na criança pequena, pela relação gratificante da mãe. A satisfação e a felicidade estão relacionadas à solidariedade e fraternidade que sente dos outros.
A necessidade de identidade - o homem deseja ter sua própria marca sua individualidade, ser original e diferente como indivíduo. A possibilidade de realizar seu potencial criador leva-o a desenvolver sua própria identidade no mundo. Quando é impedido disto, acaba por reproduzir o comportamento de outra pessoa ou grupo.
A necessidade de orientação - o homem necessita de um quadro de referências para pautar sua conduta, para ter um modo consistente e estável de perceber e compreender o mundo e a si próprio.
Essas necessidades, constitutivas do homem, são puramente humanas; não foram criadas pela sociedade, mas são características da própria natureza humana. Porém as manifestações específicas dessas necessidades e o modo como o homem às realizam são determinadas pelas condições sociais objetivas em que ele vive.
A personalidade de cada um desenvolve-se de acordo com as oportunidades e condições que a sociedade oferece. Se a sociedade faz exigências contrárias à própria natureza humana (por exemplo: não lhe fornecendo as condições de se desenvolver enquanto espírito criador ou quanto a sua necessidade de segurança), frustra e determina a alienação de sua condição humana. A intensidade e constância dessas condições adversas de vida podem levar o homem à conduta anti-social, à loucura ou a outros processos de autodestruição.
Neste sentido, Fromm afirma que a sociedade está doente, se não consegue satisfazer as necessidades básicas do homem. Por outro lado, quando o homem se adapta às exigências interiores, podemos falar em ajustamento do indivíduo. Ajustamento, desta forma, não significa submissão pura e simples às exigências sociais, mas o exercício dos poderes pessoais que visam o desenvolvimento do indivíduo. Portanto, ajustamento não significa conformidade.
Além destes aspectos, um dos temas principais abordados por Fromm é o da solidão humana. A separação do homem de outros homens e da Natureza tem-se intensificado ao longo dos anos. E o modo de superar isto tem sido o de ligar-se aos outros, através do amor e cooperação ou submetendo-se e conformando ao outro. O modo predominante de os homens de uma determinada época e cultura satisfazerem essa necessidade de relação está intimamente ligado ao sistema social, econômico e político da sociedade. E, neste sentido, Fromm coloca que os sistemas sociais atuais, capitalistas ou socialistas, não se caracterizam por promover a realização da existência humana em sua plenitude.