Nunes Xavier da Silva
Caros leitores, a presente matéria objetiva problematizar a situação de alunas e alunos indígenas Iny, da Aldeia Buridina, de Aruanã, estudantes no Colégio Estadual Dom Cândido Penso, escola da rede estadual de ensino e outras escolas da esfera municipal, ressalto que o Colégio Estadual Dom Cândido Penso está externo à terra indígena Iny, mas situado ao lado da Escola Estadual Indígena Maurehi, no interior da aldeia Buridina.
No Colégio Dom Cândido Penso, foi observado que o currículo estadual de educação e as práticas pedagógicas orientadas pelos currículos escolares não consideram a existência do Povo Indígena Iny na cidade e na própria escola. Não há um projeto político ou práticas de valorização da cultura indígena local no projeto pedagógico da escola em questão. Paulo Freire dizia, “devemos valorizar o conhecimento de mundo que o aluno detém” e o que vejo é que isso muitas das vezes, não acontece. O aluno em nesta Unidade de Ensino quase que sempre é discriminado por seus colegas e professores por ser Karajá e é chamado de “porco” e “preguiçoso”, dentre outros adjetivos pejorativos.
Percebe-se, portanto, a necessidade dessa escola estabelecer um diálogo político-pedagógico capaz de possibilitar interaprendizagens e formas solidárias de convivência intercultural (CANDAU, 2006). A sociedade contemporânea clama por esta contribuição da escola, na formação mental, espiritual, social e cultural de novas gerações de crianças e jovens, a fim de reeducar as gerações mais antigas, marcadas por visões e práticas etno-cêntricas e racistas que vêm produzindo tantas desigualdades, injustiças, violência e guerras no mundo.
A diversidade humana, composta por diferentes modos de vida e de concepções de mundo, é resultado de longas experiências, que merecem ser respeitadas, valorizadas e perpetuadas. No contexto atual de acelerado processo de globalização da vida cotidiana na aldeia, no campo ou na cidade, essas sociedades precisam construir experiências de convivência solidária e intercultural ou um novo contrato social, intraétnico, interétnico e intercultural. A escola deve ser um potencial aliado para a construção dessa nova geração de pessoas e sociedades.
Enfim, a proposta é mostrar que o Povo Iny tem o mesmo valor que o Tori (não indígena), seja ele branco, negro ou outro. A escola, no diálogo intercultural, com abertura à aceitação e à tolerância da diferença, poderá encontrar meios para inserir as alunas e os alunos indígenas, com igualdade étnica e dignidade na busca do conhecimento. Para que isso aconteça deve-se estar atento às novas formas de promover o reconhecimento e a valorização desse povo, sua cultura e sua língua perante os demais colegas da referida escola, pois não podemos mais ficar de braços cruzados esperando, a mercê das políticas públicas, sem lutar pelo cumprimento dos direitos humanos e sociais, que já são garantidos pela Constituição de 1988 e pela LDB 1996.
Os povos indígenas, hoje, fazem parte da vida nacional e é nessa esfera que precisam reconhecer e concretizar seus direitos, inclusive com amparo legal dos municípios, dos estados, da União e da sociedade em geral.
Amigos leitores, irei fazer um breve relato sintonizando vocês onde fica a cidade de Aruanã, e o porque desta reportagem feita nas escolas públicas desta cidade. Aruanã fica na região oeste de Goiás, na divisa dos estados de Goiás e Mato Grosso, o que separa os dois estados é o rio Araguaia, a cidade possui em média 6.500 eleitores, encravada no centro desta cidade está a Aldeia Buridina. Esta Aldeia pertence aos índios Karajas que ali estão há séculos, acredita-se que provavelmente os primeiros contatos dos Karajá com os “brancos” aconteceu no final do século XVI e começo do século XVII, quando os bandeirantes chegaram a região do Araguaia, estes bandeirantes vieram de São Paulo à procura de escravos e de ouro.
Pensar nesta diversidade linguística e nas políticas públicas que a circundam é bastante plausível, esta riqueza cultural atrai muitos olhares para esta região.
A presença indígena nas cidades, viver com e como o branco em suas “grandes aldeias”, é mais um destes meios, e talvez mesmo o de maior intensidade. A aldeia karajá de Buridina, é um caso extremo de conhecimento e experimentação do mundo não-indígena. Hoje a aldeia indígena de Buridina possui cerca de 200 habitantes que falam a língua Inỹ e o português, fala-se tanto a língua indígena quanto o português, e todos têm um nome inỹ e um nome não-indígena.
Há o reconhecimento de que aldeia e cidade são marcadas por distintas socialidades, que não se confundem. Dizem que a cidade tem suas “leis”, falam “na lei da cidade”, na “lei do branco”, a “organização lá de fora”, utilizando estes termos para contrastar com a “cultura”, o “jeito cultural”, o “nosso jeito” ou a “lei do índio”.
Nesse contexto, a presença da comunidade indígena Karajás em Aruanã (GO), provoca diferentes opiniões nas distintas esferas da sociedade local, conforme se observa no cotidiano da cidade.
Em conversas informais e formais, sobre o que o povo de Aruanã acha de terem uma aldeia dentro da cidade, uma grande maioria dizem não fazer diferença, outros disseram que os índios só trazem problemas, como: bebida, prostituição e drogas. Quando me refiro à língua Iny, eles dizem terem dificuldade de compreensão com os índios recém chegados da Ilha do Bananal.
Percebe-se com notoriedade que os indígenas e os tori (não índio), têm uma convivência não muito harmoniosa quando se refere ao uso da língua, uma grande maioria se sentem obrigados a usar a língua dos brancos, pois só assim serão compreendidos, quando alguns índios da Ilha do Bananal aqui chegam têm muita dificuldade de comunicação, muitos só falam Iny e são obrigados a aprenderem falar o português, quando procuram um entendimento com o branco é dito como um “bobo”, pois não sabem falar nem português, como se o português fosse sua língua mãe. Faço um questionamento a vocês leitores a cerca deste preconceito linguístico: Porque a população não veem estes índios com bons olhos?
Criou-se a cultura em dizer que são pessoas que só querem levar vantagem por serem índios. Que vantagem é está? Pois, vivem em um espaço que foi se limitando com o passar dos anos, hoje estão no centro da cidade sem direito se quer de questionar o que aconteceu com seu espaço. Vivem e sobrevivem através de seus artesanatos e muitos ainda trabalham na “rua”, com diversas funções.
A cidade possui quatro escolas públicas, sendo que uma delas é a escola indígena, que foi construída para atender toda população indígena da cidade. Pense vocês leitores, uma escola que compreenda as dificuldades deste povo que ali vivem. O povo karajá vive em Aruanã e na Ilha do Bananal (Tocantins) , os índios da Ilha só falam o iny rybè, que é sua língua. Quando eles veem para Aruanã chegam sem saber falar quase que nada em português, isto dificulta muito seu convívio com todo comunidade. Se você leitor for refletir, de imediato vai pensar que este índio ao chegar nesta cidade frequenta uma escola que atenda sua necessidade, mas isso não é verdade, a escola indígena não comporta estes alunos da segunda fase do ensino fundamental porque não atende ensino regular, apenas EJA. Este é apenas um dos problemas educacionais desta cidade. Estas outras escolas não possuem professores interpretes desta língua para atender os indígenas, com isso não há socialização e sim muito preconceito por parte dos alunos e professores que pensam que quem deve se adaptar é o indígena.
Em pesquisa feita nestas escolas, percebe-se uma quantidade de indígenas que não são atendidos com interprete, conforme manda a LDB/96.
A Escola Municipal Darcy Bandeira de Melo, também recebe alunos indígenas, pois é uma escola que está longínqua do centro, nela se concentra quatro alunos indígenas.
Já a Escola Municipal Dr. Pedro Ludovico, que está nas proximidades da Aldeia do Aricá (aldeia Karajá II, fica na parte extrema da cidade), recebe uma quantidade satisfatória de alunos indígenas, em pesquisa feita em campo, descobri que os líderes de ambas as aldeias se divergem em muitos aspectos, entre eles o que se remete a educação indígena, por este motivo estes alunos não estudam na aldeia Buridina, cito ainda que se eles quisessem estudar na Escola Estadual Murehi o transporte dos mesmos eram garantidos, conforme fala do senhor secretário de educação do município.
Em conversa informal com a direção da Escola Municipal Dr. Pedro Ludovico Teixeira e professores que ali trabalham, eles sentem muita dificuldade em direcionar a educação a estes indígenas, pois a língua Iny é um grande problema, os índios que vem a escola muitos não sabem falar o português, isto dificulta muito o processo de ensino-aprendizagem, os professores não estão habilitados a trabalharem na língua Iny.
O Colégio Estadual Dom Cândido Penso, está situado na praça Almirante Barroso snº centro ao lado da Aldeia Buridina, apenas um muro separa estes dois ambientes. Este colégio possui cerca de 900 alunos divididos nos turnos matutino, vespertino e noturno. O turno matutino possui 12 salas de aulas de 6º ao 1ª série do ensino médio, num total de 400 alunos. Já o vespertino é tido como o turno problema, pois ali estão concentrados todos alunos da zona rural, neste turno há um total de 380 alunos, divididos por 12 salas de ensino fundamental ao ensino médio. O noturno contempla apenas o ensino médio num total de 04 salas, 120 alunos.
Remetendo-me ao nosso foco, os alunos indígenas que ali estão, circulam pelos três turnos, pois a unidade de ensino é a única na cidade que oferece as modalidades de ensino fundamental e médio regular. Estes alunos quando aqui chegam estranham muito, pois se vem da rede municipal o professor por ser um por turma tem uma proximidade maior, isso faz uma grande diferença, aqui cada aula possui cinquenta minutos, quase que todas às vezes há troca de professores. As salas também muito cheias, existem turmas com até 43 alunos, e é quase que impossível dar uma atenção maior aos educandos.
Chamo atenção de vocês leitores a este relato, feito por um professor desta escola: - a escola sofreu com um aluno indígena que sempre invadia a escola ao fim de semana para roubar na cantina e secretaria, para comprar drogas, este desgaste da escola com este ex-aluno, fez com que toda comunidade escolar generalizasse que todos indígenas da aldeia não prestam, que só servem para pichar a escolar e roubar as coisas que ali estão, recentemente
este aluno foi morto. Quando visitei sua família no velório sua avó me disse que a direção da escola não fez nada para ajudá-la, que escola é esta? Nunca fez nada por ele e nem por mim!
Este desabafo da vó faz com que vocês leitores reflitam sobre as políticas indígenas educacionais brasileiras, pois a escola viu este aluno crescer e ir no caminho errado e muita das vezes foi omissa.
Os alunos indígenas quase que sempre são alunos retraídos, calados, mal abrem a boca para tirarem suas dúvidas, é de sua cultura estar calado? Ou medo de se sentir ainda mais excluído quando conversar? Muitas vezes chegam alunos da Ilha do Bananal que falam muito mal o português, isto como já foi citado atrapalha bastante o ensino-aprendizagem, alerto que estes alunos são motivos de críticas por uma grande parte de seus colegas, são hostilizados por serem indígenas.
Em conversa com coordenador pedagógico da escola ele diz: - muitos aruanenses vão morar no exterior, e por lá tem filhos e muitos voltam, quando estes alunos aqui chegam vejo que a escola tem um olhar diferente sobre este aluno, é dado maior atenção, questiono: por que os alunos vindos da Europa tem um acompanhamento melhor por dificuldade com a língua do que o aluno vindo da Ilha do Bananal? Como sempre a cultura europeia sobressai a latina, já criamos o conceito de que tudo que vem do continente europeu tem maior valor.
Nesta unidade de ensino deveria existir um professor interprete da língua Iny, más não possui, não há uma sintonia entre escola e indígenas. Os professores alertam que estes alunos são preguiçosos e tem muita dificuldade para se expressarem e aprenderem, não fazem tarefa em sala e nem em casa, não adianta reclamar para a família porque não será resolvido o problema, diz professora.
O Colégio Estadual Dom Cândido Penso, possuem 20 alunos indígenas matriculados, estes alunos estão distribuídos em todas as séries. Contudo, esta unidade de ensino deixa a desejar quando o assunto é dialogar com as diversidades, tanto linguística, quanto cultural, só percebe este distanciamento quando relacionamos escola e aluno. Nota-se que muitos estudantes não têm prazer em estar inserido neste meio educacional. Se sentem como foragidos em sua própria cidade, melhor dizendo em sua própria escola.
Enfim, a base desta reportagem foi mostrar o quanto os indígenas sofrem por não estarem dentro dos moldes pertencentes ao grupo majoritário. Estas escolas são berços de propagação da discriminação racial, conforme vimos estes povos lutam por quererem o mínimo de dignidade que é a educação.