Roberto Almeida e Rossini Lima, representantes da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi) falam sobre a carta aberta lançada pela associação cobrando celeridade na implantação da política Quilombola no país.
Rossini começa a entrevista explicando as diversas linhas de atuação do Incra em relação à regularização fundiária no Brasil, e afirma que hoje é praticamente impossível ao órgão atender as demandas várias que estão sob sua responsabilidade. Ele conta que na década de 80 o Incra possuía mais de 10 mil funcionários e hoje o número não passa de 6 mil. Segundo Rossini, muitos funcionários antigos se aposentaram e, devido aos baixos salários pagos pelo órgão em comparação a outras áreas do próprio governo, não se consegue preencher as vagas abertas. Muitos fazem o concurso, passam, mas não assumem o cargo, ou assumem e ficam por um tempo, enquanto estudam para outros concursos de órgãos que pagam melhor e com planos de carreira, que permitem o avanço e a progressão de cargos e salários dentro do próprio órgão. Segundo Rossini, dentro da esfera federal, ou seja, dos órgãos do Governo Federal, o Incra tem um dos mais baixos salários pagos aos funcionários.
O antropólogo Roberto Almeida convive diretamente com as comunidades, no trabalho de reconhecimento dessas terras,para sua titulação, e se preocupa com a morosidade desse processo, que segundo ele, decorre de dificuldades técnicas e políticas. Hoje trabalham na questão quilombola, dentro do Incra um número em torno de cem pessoas, quantidade insuficiente para dar conta das solicitações advindas das comunidades, e de todo trabalho prático e estudo necessário para o reconhecimento dessas terras como terras tradicionais de comunidades quilombolas. Além disso, segundo Roberto, uma norma da Advocacia Geral da União, publicada em 2010, dificultou o processo de reconhecimento:"ela criou várias etapas inúteis que se sobrepõe, e ampliou a complexidade do processo, o que, no mínimo, dobrou o tempo para a finalização do processo" Roberto explica que, quando finalizados, os processos precisam ser encaminhados pelo Incra para o Ministério da Reforma Agrária, responsável pela titulação, e lamenta que diversos estejam prontos, aguardando apenas esse encaminhamento para o reconhecimento das comunidades, não estejam sendo encaminhados, ficando parados no próprio Incra. Alguns, afirma, estão lá desde 2011.
Segundo os funcionários, são mais de 1.200 comunidades quilombolas que pediram reconhecimento, nesse universo de 100 pessoas para atendê-los, e não bastasse toda essa dificuldade, os processos que conseguem chegar a cabo, e que deveriam ser encaminhados para titulação não tem sido enviados às instâncias superiores do governo.
O antropólogo Roberto Almeida explica todo o processo necessário e os métodos para se titular uma terra como comunidade Quilombola. Esse reconhecimento pode ser contestado, no próprio INCRA. Segundo Roberto, ele normalmente é, o que torna mais morosa a conclusão do processo.. Ele apresenta números: são 1286 processos abertos, 158 estudos concluídos, 74 áreas definidas, após todo o processo narrado acima, e apenas 20 titulados, sendo que desses 9 ainda carecem de alguns estudos complementares, o que perfaz um total de 11 titulações concluídas nesse universo de 1286 solicitações de reconhecimento. Em 20 de novembro de 2013, completaremos uma década de Incra no encaminhamento da política de reconhecimento de quilombos, ou seja, 10 anos e 11 títulos. Roberto alerta:"nesse ritmo vamos levar mais de mil anos para atender a todas as comunidades."
Como um grande contingente dos nossos ouvintes é de assentados (ou acampados) na amazônia, pedi a Rossini que falasse um pouco sobre a situação da reforma agrária e da implementação de políticas públicas que viabilizem esses assentamentos como projetos que desenvolvem a agricultura familiar. Rossini conta que nesse momento a ideia do Incra é qualificar os assentamentos já titulados, porém afirma que a falta de condições operacionais tem impedido o órgão de alcançar essa meta estipulada como prioridade. Ele ressalta que os funcionários que passam em concurso e que vão para a amazônia, costumam ser os primeiros a deixar o órgão, devido às inúmeras especificidades da região e a incapacidade dos funcionários de responder às demandas, dentro da falta de estrutura objetiva e prática para a realização de seu trabalho. Rossini teme que esteja havendo um processo de desmonte do INCRA, já que a ideia é "descentralizar" as atribuições do instituto, através de parcerias com outros órgãos e governos, enfraquecendo ainda mais a instituição, e perdendo muito em qualidade, já que nem sempre esses parceiros terão a expertise e a vivência dos funcionários.
Ele lamenta que essas questões não estejam encontrando espaço para discussão dentro do próprio governo. Que os funcionários gostariam de participar das discussões sobre a Política Nacional de Reforma Agrária, mas que de certa forma, estariam sendo alijados: "tem hora que parece que a gente é invisível."
O antropólogo Roberto Almeida, que trabalha diretamente com as comunidades encerra sua participação falando do aspecto humano vivenciado em seu trabalho:"Nós que trabalhamos com quilombos estamos completamente angustiados, porque é difícil olhar no olho das pessoas e dizer a elas que a coisa não vai andar como o cidadão merece, como o estado deveria trabalhar, por isso a CNASI resolveu soltar essa nota. Essa nota é um grito."
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